terça-feira, 18 de novembro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Quinta Parte

A pracinha central de Bela Vista ficava perto da casa de Isolda. Os três caminhavam em volta dela sentindo o morno sol de inverno. A brisa do mar balançava os frondosos galhos das duas enormes árvores do centro da praça, onde dois homens trocavam a faixa que indicava que o Festival de Inverno seria no próximo sábado pela atual, que dizia "Hoje! Festival de Inverno, às 20 horas!"

- Veja, Nora, estão trocando a faixa - comentou Isolda. Eles pararam por uns instantes debaixo das grandes árvores.

Hilino perguntou:

- Que festa é essa?

Isolda explicou que aquela era uma festividade tradicional de Bela Vista, que sempre era realizada no final das férias de julho. Disse que era muito divertida e que as crianças costumavam se empanturrar dos quitutes vendidos nas barraquinhas, enquanto danças e cirandas ocorriam em meio a apresentações de malabares e cuspidores de fogo. Uma senhora sentada num dos bancos da praça ouvia a explicação de Isolda e interrompeu:

- Mas esse ano vai ser triste...

Tratava-se de Gomildes, a moradora mais idosa da cidade. Era uma velhinha magrinha, de cabelos brancos sempre presos. Vestia um vestido azul de bolinhas pretas, coberto por um xale de lã vermelho, que era a mesma cor de seus enormes óculos que a deixavam com olhos imensos. Ninguém sabia exatamente a idade dela, mas se dizia que deveria ter mais de 100 anos. Ela vivia com a neta numa casinha de frente para a praça, com 17 gatos e um cachorro gordo e bonachão.

- Triste porque, dona Gomildes?, perguntou Isolda.

A velhinha continuou:

- Porque sim, oras. Tantos desaparecimentos...não sei o que querem comemorar...

- Desaparecimentos? Como assim?, quis saber Nora.

- Ah, vejo que você é nova por aqui...quem é essa, Isolda?

Isolda pediu desculpas e as apresentou.

- Ah, seja bem-vinda! Espero que goste de Bela Vista, ou melhor...que Bela Vista goste de você...

Nora não entendeu muito bem, mas ficou quieta. A senhora prosseguiu:

- E esse garotinho simpático, quem é?

- Eu me chamo Hilino - ele próprio respondeu.

- Hum-hum...claro que se chama...claro que se chama..., continuou a velhinha.

Nora ainda queria saber o que ela estava querendo dizer com desaparecimentos.

- Isso é uma bobagem, disse Isolda. Gomildes a olhou por uns instantes calada. Depois, soltou um sorriso baixinho, um pouco rouco. E por fim disse, voltando-se para Nora:

- É...uma bobagem...o que uma velha como eu há de saber, não é mesmo? Devo estar meio louca...

Isolda despediu-se de Gomildes, dizendo que ela e seus novos hóspedes tinham de ir à quitanda do seu Juvenal comprar alguns legumes. Nora e Hilino despediram-se também. Enquanto afastavam-se, a velhinha disse:

- Hilino!

O garoto virou-se para trás. Ela continuou:

- Eu tomaria muito cuidado com o que ponho nos bolsos se fosse você.

Hilino rapidamente pôs a mão no bolso, sentindo a pedra, que estava morna.

- Do que ela está falando, filho?, perguntou Nora ao garoto. Ele deu de ombros, como quem não tivesse entendido nada. Mas estava assustado. Como ela poderia saber? Como? Será que ela sabia que pedra era essa? Será que ela sabia sobre o sonho? Nesse momento, ele reparou que Nestor o fitava com seus olhos verdes. O garoto não sabia dizer como, mas tinha a sensação de que o gato estava querendo dizer que sim, que ela sabia sobre tudo.

Os três então seguiram, junto com o gato Nestor, até a quitanda do seu Juvenal, um simpático agricultor, querido por todos/as da cidade. Nora comentou com Isolda que havia achado estranha aquela história de desaparecimentos. Sua amiga então disse que essa era uma história que Gomildes sempre contava. A filha dela e seu genro haviam ido embora há muitos anos, deixando a filha deles, neta de Gomildes, com ela. As fofocas eram as de que eles eram ex-hippies e que haviam ido para algum lugar distante, viver em uma comunidade alternativa no cerrado. Gomildes negava. Ela teria ficado transtornada com o sumiço da filha, a quem era muito apegada. Durante anos, dizia que a filha e seu marido haviam sido sequestrados por uma bruxa que vivia trancada numa caverna num penhasco na praia. Mas ninguém a levava a sério. Achavam que ela dizia isso para suportar o fato de eles a terem abandonado.

- E ela éuma bruxa também?, perguntou Hilino.

- Dizem que sim - comentou Isolda - imagine só! Pobre Gomildes. Além de tudo ainda a chamam de bruxa.
Nora concordou:

- É...nossa! Que história!

Isolda prosseguiu:

- É...Eu tenho pena dela. Bom...mas o que se há de fazer...

Eles estavam agora na frente da quitanda.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Quarta Parte

O quarto estava escuro e todo esfumaçado. Sentou-se na cama, quando percebeu um vulto negro voando em meio à fumaça. Parecia um pedaço de pano meio rasgado, que foi se aproximando dele lentamente, até que num rasante veio na direção de sua cabeça, soltando um grito fino e ensurdecedor. Dois olhos vermelhos surgiram e o menino, apavorado, inclinou-se violentamente para trás. A sensação era a de estar caindo de um precipício. Hilino acordou esbaforido. Percebeu que havia tido um pesadelo e respirou aliviado. Então, notou que a pedra em seu bolso estava pelando. Estranhou. Nestor estava sentado ao pé da cama com os pêlos eriçados, como se estivesse afugentando alguma coisa na janela. O garoto ficou confuso..."será que não tinha sido um sonho"? O felino acalmou-se. Virou-se para trás e serenamente veio na direção de Hilino. Parecia exausto. Soltou um miado baixinho e sentou-se em sua barriga, respirando ofegante. Nesse momento, o garoto escutou Isolda o avisando que o almoço estava pronto. A pedra havia esfriado.
Hilino desceu as escadas e encontrou sua mãe e Isolda na cozinha. A mesa estava pronta. A anfitriã os havia preparado uma salada, arroz branco e peixe frito. O cheiro estava simplesmente delicioso.

- Espero que vocês gostem de peixe. É minha especialidade.

Sentaram-se à mesa e comeram fartamente. A sobremesa eram os biscoitos especiais que Isolda havia preparado. Nora estava com um ar descansado, mais feliz. Olhou para o garoto enquanto este comia os biscoitos.

- Hilino, eu e sua tia vamos dar uma volta pela cidade. Você quer vir conosco?

- Tá bom - respondeu o garoto, de boca cheia.

Os três então saíram. Nestor veio junto e não saía de perto de Hilino.

- Ele gostou mesmo de você - disse Isolda, apontando para o gato. E continuou:

- Olhe só, Nora, Nestor não sai de perto dele! O adotou como seu irmão mais novo!

Elas riram. Hilino não. Ele estava lembrando do que ocorrera há pouco, no quarto. E ainda não sabia se aquele sonho tinha sido mesmo um mero sonho...
Na rua, havia muita movimentação devido à festa que haveria à noite.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Terceira Parte

- Ela não é minha tia, respondeu o garoto.

Sua mãe o olhou fixamente, pelo retorvisor. Pensou em brigar com ele, dizendo-lhe que não deveria ser tão mal agradecido, afinal Isolda poderia não ser sua irmã de sangue, mas era como se assim o fosse. Afinal, era sua melhor amiga. E os estava recebendo em sua própria casa, para os ajudar! Mas, então, pensou um pouco mais. Respirou fundo. Aquilo tudo não deveria estar sendo fácil para o menino...

- É claro que é sua tia. Imagine só...ela o adora como se assim fosse. E conhece você desde pequenininho...na verdade, antes disso...ela conhece você desde antes de nascer!

E riu-se. Na medida em que o carro se afastava da praia em direção à cidade, a chuva foi diminuindo. Quando chegaram a Bela Vista, o Sol dava as caras novamente, enxugando aos poucos o fusquinha azul que estava cheio de lama. Uma placa anunciava “Bem vindos a Bela Vista”. Ao lado dela, um cartaz indicava o Festival de Inverno que seria realizado no Parque Central no sábado, para comemorar o fim das férias escolares.

- Olhe só, Hilino. Vai haver uma festa aqui hoje.
- Hum...

O garoto resmungou sem muito entusiasmo.

- Acho que é por aqui...faz tanto tempo que não venho visitar a Isolda...

O carro contornou a praça central da cidade e entrou numa ruazinha de terra. Uma placa na esquina anunciava: “Rua do Relento”.

- É essa! Achamos.

Nora encostou o carro na frente de uma casinha verde de portão de madeira. Ela desceu e Hilino ficou no carro. Tinha sido uma longa viagem de São Paulo até lá. Nora esticou as pernas e, antes de caminhar até a entrada, estranhou que suas roupas estavam secas.

- Hilino, veja, minhas roupas secaram sozinhas. Você ainda está ensopado?

O garoto passou a mão pelas roupas e respondeu:

- Eu também sequei...mas...como...

- Que estranho...vai ver foi o Sol...

Um gato preto estava deitado no murinho do portão, olhando para os visitantes. Hilino aproveitou para olhar a pedra que estava em seu bolso. Ela agora não brilhava mais, estava fosca, como uma pedra qualquer. Assim que a tirou do bolso, o bichano parou os dois olhos verdes na direção do menino e, assustado, saltou para dentro de casa, com os pêlos eriçados. Nesse momento, saiu ao portão uma mulher gordinha e bonachona, de bochechas rosadas e cabelos pretos encaracolados. Vestia um avental azul cheio de farinha de trigo.

- Nora!

- Isolda!

- Há quanto tempo! Nossa, como você está magrinha. Venham, entrem. Estou assando uns biscoitos para comermos antes do almoço.

- Nossas malas...

- Ah, sim. Vamos pegá-las.

Isolda aproximou-se do carro e foi até a janela, voltando-se para o menino no banco de trás.

- Olá, Hilino. Nossa! Como está bonito o meu sobrinho preferido!

Nora mandou que o menino saísse para cumprimentar a amiga. Assim que desceu do carro, ela lhe deu um abraço apertado e carinhoso, que o fez sentir-se bem, como há muito não ocorria.

- Seja bem-vindo, Hilino. Tenho certeza de que você será muito feliz em Bela Vista.

Isolda os ajudou a carregar as malas. Assim que entraram, Hilino avistou o gato escondendo-se atrás de um vaso branco de plantas, meio ressabiado. O jardim era cheio de plantas de tamanhos e cores variados. Elas subiam pelas paredes, dando ao sobrado o aspecto de um jardim suspenso.

- Fiquem à vontade. Vou já tirar os biscoitos do forno. Podem levar as malas lá para cima que eu já subo.

Nora agradeceu à amiga e subiu com Hilino. A casa era bem aconchegante. No andar de baixo, havia uma sala com poltronas brancas cobertas com mantos coloridos. Fofas almofadas espalhavam-se pelo tapete branco, como as cortinas que cobriam a janela aberta em direção ao jardim da entrada. Ao fundo, ficava a cozinha, onde Isolda preparava gostosos quitutes e pratos. Do meio da sala, uma escada em espiral levava aos quartos. Era três suítes, com janelas voltadas para a rua. Isolda subiu logo atrás deles.
Esse aqui será o seu quarto, Hilino. Deixei tudo pronto. Espero que goste da mobília. Venha, Nora. Vou mostrar o seu.
Hilino entrou e foi direto para a janela. À esquerda, via-se a praça central. Ao fundo, dava para ver o mar e as montanhas. O garoto ouviu sua mãe agradecendo mais uma vez a Isolda pela ajuda que os estava dando. Elas abraçaram-se longamente na porta do quarto que seria o de Nora.
O garoto abriu sua mala e dela retirou dois porta-retratos. Num deles, havia uma foto de Dona Nica, sua avó, o carregando no colo. Hilino passou os dedos carinhosamente pela imagem e depois a abraçou por uns instantes. Como se com aquele abraço pudesse fazê-la entrar dentro dele...Então a colocou no criado-mudo ao lado da cama, carinhosamente. O outro porta-retratos tinha uma foto dele e de Zeca abraçados, na frente do fliperama que costumavam freqüentar em São Paulo, quando Nora os levava ao shopping center. Havia sido tirada há sete meses, no dia em que Hilino completara 8 anos de idade. Três dias antes de sua avó ser internada. Ela havia passado os últimos meses num hospital, muito doente. Coitadinha da Vó Nica...era tão doce...O modesto apartamento onde viviam era alugado. Desde que seu estado de saúde se agravara, Nora vinha planejando mudar-se com o filho para Bela Vista, para morarem com sua melhor amiga, Isolda, a quem chamava de irmã. Fazia um mês que dona Nica havia falecido. Hilino estava olhando para sua foto quando Isolda entrou no quarto.

- Você era um bebezinho nessa foto. Que lindinho!

- É..., eu era.

Percebendo que o garoto estava triste, Isolda tentou animá-lo, convidando-o para comer os biscoitos que havia tirado do forno. No pé da escada, estava o gato preto.

- Esse é Nestor. Não é lindo? Dê um olá para seu novo amiguinho, Nestor.

O gato veio até eles e passou levemente os pêlos nas pernas de Hilino, fazendo cócegas. Logo após, subiu as escadas como se fosse um raio.

- Venha, Hilino. Quero que experimente meus biscoitos especiais. Sua mãe foi descansar um pouco antes de almoçarmos. Aliás, o que você gosta de comer?

- Qualquer coisa, respondeu o garoto.

Isolda disse que isso era bom, pois geralmente as crianças da idade dele só querem saber de comer porcarias. E completou que nós somos aquilo que comemos. Hilino continuou:

- É, eu como de tudo. Menos pimentão. E pimenta. Eu sou alérgico a elas...

O garoto dizia isso timidamente. É tão estranho ser alérgico a pimenta. Tem gente que tem alergia a poeira, a camarão, a perfume, até a leite. Mas...pimenta?! Ele tinha até vergonha de dizer.

- Ah, é bom saber. Assim, substituo o pimentão por alho poró. O gosto é praticamente o mesmo, sabia?

- Não...

- É verdade. Aliás, alho poró é muito melhor que pimentão. E pimenta...bom...vamos esquecer a pimenta. Quem precisa dela, certo?

Disse isso piscando para Hilino. O garoto sorriu timidamente. Seu primeiro sorriso em dias...semanas...meses. Experimentou um dos biscoitos. Eram deliciosos. Mas ele também estava cansado da viagem e não via a hora de dar um cochilo.

- Então suba, meu querido. Eu o chamo quando o almoço estiver pronto. Hoje é sábado, não vou trabalhar. Você sabia que eu também sou professora? Que nem a sua mãe. Ela vai dar aulas na mesma escolinha que eu, a partir de segunda-feira. Que é a mesma onde você vai estudar. Falando nisso, suas aulas também começam na segunda, não?

- Sim, sim...acho que sim...

- Pois bem. Então é bom você aproveitar bastante o final de semana, porque segunda-feira acordará cedo! Agora suba, vá descansar.

Hilino subiu pensando no que sua tia havia lhe dito. Era a mesma expressão que vó Nica utilizava para mandá-lo ir dormir. “Amanhã você acorda cedo, meu filho. Tá na hora de dormir”. Ficou pensando nisso quando deitou-se em sua cama. Ela era macia e cheirava a maçã verde. “Amanhã você acorda cedo”...“acorda cedo...”
De repente, Hilino abriu os olhos assustado.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Segunda Parte

– Hilino?! Você está bem?

Era sua mãe.

– Tô sim. Eu caí aqui.
– Você se machucou, filho?
– Não, não. Está tudo bem.
– Venha, vamos embora. Acho que vai chover. O que você está procurando aí?

Hilino voltou a esticar o braço e encontrou a pedra. Pôs no bolso da bermuda.

– Nada, mãe. Só estava vendo o que tinha ali.
– Cuidado, pode ter algum bicho morando aí. Vamos, venha.

Dona Nora deu-lhe a mão, ajudando-o a sair do buraco. Quando saiu, Hilino tomou um susto ao perceber que parecia noite. O mar estava revolto, com enormes ondas avançando em direção às pedras. Nuvens carregadas pavoneavam sobre suas cabeças, anunciando uma tempestade.

– Vamos logo que vai chover. Corra!

Os dois foram até o carro lutando contra a ventania que violentamente levantava a areia, onde pingos grossos começavam a cair. Da porta do carro, Hilino percebeu vários raios caindo sobre o mar. Uma visão aterrorizante. Um dos raios caiu próximo à casa do penhasco. No lampejo o garoto percebeu que havia alguém na ponta da pedra os observando. Parecia uma mulher, num vestido longo esvoaçante.

– Entre no carro, Hilino. Vamos!
– Mãe, tem alguém ali.

O garoto apontou para o penhasco. A mulher havia sumido.

– Onde? Não estou vendo nada.

A chuva agora caía abudantemente.

– Vamos, Hilino. Entre logo.

O garoto entrou no carro ensopado e assustado.

– Deve ser uma tempestade de verão, disse Nora.
– Mãe...
– Que foi?
– Estamos no inverno...

Dona Nora franziu as sobrancelhas e ligou o carro. Olhou para Hilino:
- Vamos para a casa de sua tia. Lá tomaremos um banho quente.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Primeira Parte

Faltava apenas alcançar a pluma branca, de todas que já havia coletado. Elas rodopiavam ao vento, como que dançando, leves, livres. Seus pulos eram longos, em câmera lenta. Esticava os braços, mas não conseguia alcançá-la. As demais estavam na mão esquerda e a branca agora ia em direção ao mar. Correu por uma ponte de madeira que entrava na água, suspensa por pneus velhos pintados de vermelho. A pluma estava fora de alcance. Não havia outra maneira de pegá-la senão pulando. Pensou por uns instantes, respirou fundo e pulou.

– Chegamos querido!

As palavras soaram como um susto.

– Hilino? Está acordado?
– Hã? Ah...sim...
– Chegamos.

O garoto ergueu um pouco o corpo franzino desajeitadamente esticado no banco. Levantou o rosto meio de lado e olhou pela janela. O carro passava pela orla, numa praia deserta. Eram 9 horas da manhã de um sábado de sol de inverno. Algumas gaivotas descansavam sobre pedras perdidas na areia, agradecendo pela ausência do burburinho dos turistas do verão. Ao longe, podia-se ver uma casinha solitária no topo de uma montanha perto do mar. Hilino estranhou.

– Não mora ninguém aqui?
– Claro que mora. É que estamos na entrada da cidade.
– Lugar estranho. Esquisito...

Sua mãe virou-se para trás, dando 3 apertões carinhosos em seu joelho.

– Pare com isso, Hilino. Deixe de ser implicante. Vou abrir o vidro. Viu só? Sinta o cheirinho do mar. Você vai gostar muito mais daqui do que de São Paulo. Aquela poluição toda que nos deixa pálidos, branquelos. Aquela barulheira toda. Chega de engarrafamentos, violência...

Dona Nora continuava falando, mas sua voz foi sumindo na medida em que o pensamento de Hilino voava longe. Suspirou lembrando de São Paulo, da escola, de seu prédio. Do bolo de fubá que sua avó costumava fazer à tarde, enquanto jogava video-game com o Zeca sentado no puf azul. Uma lágrima teimosa salgou-lhe a face. Tudo era passado agora.

Dona Nora guiava o fusquinha azul com esperança nos olhos. Sentia a brisa úmida da maresia pedindo para que tudo melhorasse. Desde que sua mãe falecera, só pensava em sair de São Paulo e ir morar num lugar tranqüilo, onde pudesse começar de novo, da estaca zero.

– Mãe, preciso fazer xixi.

Agora eram as palavras de Hilino que lhe cortavam os pensamentos.

– Não dá para esperar um pouco, filho? Estamos quase chegando.
– Não, mãe...tô apertado.

Nora encostou o carro próximo à praia. Desceram.

– Está vendo aquelas pedras ali na areia? Vá lá fazer seu pipi enquanto eu molho os pés na água.
– Tá bom.

Nora tirou as sandálias e foi correndo para o mar, segurando a barra do vestido creme de rendas brancas, presente de despedida das suas colegas na escolinha onde dava aulas em São Paulo.

– Tome cuidado!, avisou ao garoto, que já estava a caminho das pedras.
Hilino caminhou pela areia fofa até umas pedras grandes que ficavam na ponta direita da praia. O Sol refletia no mar formando um enorme espelho amarelado. O garoto suspirou meio aborrecido. O que ele iria fazer naquele lugar? Sem prédios, shoppings, fliperamas? Perto das pedras, havia umas plantinhas verdes, fincadas na areia. Foi até elas, escondendo-se atrás da rocha para fazer seu pipi. Eram quatro pedras grandes e altas, que formavam um círculo. Notou que perto de uma delas havia um caminho de plantas, parecidas com grama, indo em direção à ponta da praia. Achou estranho e foi curiosamente bisbilhotar onde elas levariam. Caminhou até elas e, de repente, num grito assustado faltou-lhe o ar. Ele havia caído num buraco na areia, que estava coberto pelas plantas. Devia ter cerca de um metro e meio de profundidade. Estava estranhamente quente dentro dele. Pensou em gritar por ajuda, quando notou uma luz vermelha intensa saindo de uma espécie de caverna próxima ao chão. Estranhou e foi ver o que era. Agachado, entrou na fenda e, tateando, encontrou uma pedra vermelha pequena e luminosa. Quando a tocou, sentiu um formigamento intenso na ponta dos dedos, que o fez soltá-la de volta.

Hilino...

Ei, você, vem cá. É, você mesmo. Vem aqui. Chega mais perto. Tenho umas histórias para te contar. Já que não nos conhecemos pessoalmente, resolvi escrevê-las aqui. Sobre o que são? Ah, isso você vai ter de descobrir lendo oras. É o único jeito de aprendermos mais as coisas. Não tenho outra maneira de te contar essas histórias. Ah, você quer que eu dê uma dica? Tudo bem, tudo bem. Digamos que...bom...você já teve a sensação de que tem algo a mais no mundo do que aquilo que as pessoas geralmente acreditam que existe? Algo...especial, secreto...mágico? Já teve? Ah, então acho que você vai gostar das histórias que vou contar...por que é disso que elas falam...dessa sensação de que há tantas coisas no mundo quantas seja possivel imaginar que existam. O que vou contar aqui são as histórias de um garoto chamado Hilino. Ele me contou suas magias aventureiras e mágicas aventuras...O que você perguntou? Ah, entendi. Você quer saber se elas ocorreram mesmo ou se são inventadas...Bom, eu perguntei isso para o Hilino quando ele me as contou. Sabe o que ele respondeu? "Que diferença faz?" Então eu te digo a mesma coisa. O que importa não é se essas coisas ocorreram ou não. O que importa é que, lá no fundo, em algum momento da sua vida, você já tenha imaginado que coisas assim são reais. Se você faz isso, de um jeito ou de outro, elas existem...certo?