quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Livro 1 - Hilino e as Pedras do Poder - Terceira Parte

- Ela não é minha tia, respondeu o garoto.

Sua mãe o olhou fixamente, pelo retorvisor. Pensou em brigar com ele, dizendo-lhe que não deveria ser tão mal agradecido, afinal Isolda poderia não ser sua irmã de sangue, mas era como se assim o fosse. Afinal, era sua melhor amiga. E os estava recebendo em sua própria casa, para os ajudar! Mas, então, pensou um pouco mais. Respirou fundo. Aquilo tudo não deveria estar sendo fácil para o menino...

- É claro que é sua tia. Imagine só...ela o adora como se assim fosse. E conhece você desde pequenininho...na verdade, antes disso...ela conhece você desde antes de nascer!

E riu-se. Na medida em que o carro se afastava da praia em direção à cidade, a chuva foi diminuindo. Quando chegaram a Bela Vista, o Sol dava as caras novamente, enxugando aos poucos o fusquinha azul que estava cheio de lama. Uma placa anunciava “Bem vindos a Bela Vista”. Ao lado dela, um cartaz indicava o Festival de Inverno que seria realizado no Parque Central no sábado, para comemorar o fim das férias escolares.

- Olhe só, Hilino. Vai haver uma festa aqui hoje.
- Hum...

O garoto resmungou sem muito entusiasmo.

- Acho que é por aqui...faz tanto tempo que não venho visitar a Isolda...

O carro contornou a praça central da cidade e entrou numa ruazinha de terra. Uma placa na esquina anunciava: “Rua do Relento”.

- É essa! Achamos.

Nora encostou o carro na frente de uma casinha verde de portão de madeira. Ela desceu e Hilino ficou no carro. Tinha sido uma longa viagem de São Paulo até lá. Nora esticou as pernas e, antes de caminhar até a entrada, estranhou que suas roupas estavam secas.

- Hilino, veja, minhas roupas secaram sozinhas. Você ainda está ensopado?

O garoto passou a mão pelas roupas e respondeu:

- Eu também sequei...mas...como...

- Que estranho...vai ver foi o Sol...

Um gato preto estava deitado no murinho do portão, olhando para os visitantes. Hilino aproveitou para olhar a pedra que estava em seu bolso. Ela agora não brilhava mais, estava fosca, como uma pedra qualquer. Assim que a tirou do bolso, o bichano parou os dois olhos verdes na direção do menino e, assustado, saltou para dentro de casa, com os pêlos eriçados. Nesse momento, saiu ao portão uma mulher gordinha e bonachona, de bochechas rosadas e cabelos pretos encaracolados. Vestia um avental azul cheio de farinha de trigo.

- Nora!

- Isolda!

- Há quanto tempo! Nossa, como você está magrinha. Venham, entrem. Estou assando uns biscoitos para comermos antes do almoço.

- Nossas malas...

- Ah, sim. Vamos pegá-las.

Isolda aproximou-se do carro e foi até a janela, voltando-se para o menino no banco de trás.

- Olá, Hilino. Nossa! Como está bonito o meu sobrinho preferido!

Nora mandou que o menino saísse para cumprimentar a amiga. Assim que desceu do carro, ela lhe deu um abraço apertado e carinhoso, que o fez sentir-se bem, como há muito não ocorria.

- Seja bem-vindo, Hilino. Tenho certeza de que você será muito feliz em Bela Vista.

Isolda os ajudou a carregar as malas. Assim que entraram, Hilino avistou o gato escondendo-se atrás de um vaso branco de plantas, meio ressabiado. O jardim era cheio de plantas de tamanhos e cores variados. Elas subiam pelas paredes, dando ao sobrado o aspecto de um jardim suspenso.

- Fiquem à vontade. Vou já tirar os biscoitos do forno. Podem levar as malas lá para cima que eu já subo.

Nora agradeceu à amiga e subiu com Hilino. A casa era bem aconchegante. No andar de baixo, havia uma sala com poltronas brancas cobertas com mantos coloridos. Fofas almofadas espalhavam-se pelo tapete branco, como as cortinas que cobriam a janela aberta em direção ao jardim da entrada. Ao fundo, ficava a cozinha, onde Isolda preparava gostosos quitutes e pratos. Do meio da sala, uma escada em espiral levava aos quartos. Era três suítes, com janelas voltadas para a rua. Isolda subiu logo atrás deles.
Esse aqui será o seu quarto, Hilino. Deixei tudo pronto. Espero que goste da mobília. Venha, Nora. Vou mostrar o seu.
Hilino entrou e foi direto para a janela. À esquerda, via-se a praça central. Ao fundo, dava para ver o mar e as montanhas. O garoto ouviu sua mãe agradecendo mais uma vez a Isolda pela ajuda que os estava dando. Elas abraçaram-se longamente na porta do quarto que seria o de Nora.
O garoto abriu sua mala e dela retirou dois porta-retratos. Num deles, havia uma foto de Dona Nica, sua avó, o carregando no colo. Hilino passou os dedos carinhosamente pela imagem e depois a abraçou por uns instantes. Como se com aquele abraço pudesse fazê-la entrar dentro dele...Então a colocou no criado-mudo ao lado da cama, carinhosamente. O outro porta-retratos tinha uma foto dele e de Zeca abraçados, na frente do fliperama que costumavam freqüentar em São Paulo, quando Nora os levava ao shopping center. Havia sido tirada há sete meses, no dia em que Hilino completara 8 anos de idade. Três dias antes de sua avó ser internada. Ela havia passado os últimos meses num hospital, muito doente. Coitadinha da Vó Nica...era tão doce...O modesto apartamento onde viviam era alugado. Desde que seu estado de saúde se agravara, Nora vinha planejando mudar-se com o filho para Bela Vista, para morarem com sua melhor amiga, Isolda, a quem chamava de irmã. Fazia um mês que dona Nica havia falecido. Hilino estava olhando para sua foto quando Isolda entrou no quarto.

- Você era um bebezinho nessa foto. Que lindinho!

- É..., eu era.

Percebendo que o garoto estava triste, Isolda tentou animá-lo, convidando-o para comer os biscoitos que havia tirado do forno. No pé da escada, estava o gato preto.

- Esse é Nestor. Não é lindo? Dê um olá para seu novo amiguinho, Nestor.

O gato veio até eles e passou levemente os pêlos nas pernas de Hilino, fazendo cócegas. Logo após, subiu as escadas como se fosse um raio.

- Venha, Hilino. Quero que experimente meus biscoitos especiais. Sua mãe foi descansar um pouco antes de almoçarmos. Aliás, o que você gosta de comer?

- Qualquer coisa, respondeu o garoto.

Isolda disse que isso era bom, pois geralmente as crianças da idade dele só querem saber de comer porcarias. E completou que nós somos aquilo que comemos. Hilino continuou:

- É, eu como de tudo. Menos pimentão. E pimenta. Eu sou alérgico a elas...

O garoto dizia isso timidamente. É tão estranho ser alérgico a pimenta. Tem gente que tem alergia a poeira, a camarão, a perfume, até a leite. Mas...pimenta?! Ele tinha até vergonha de dizer.

- Ah, é bom saber. Assim, substituo o pimentão por alho poró. O gosto é praticamente o mesmo, sabia?

- Não...

- É verdade. Aliás, alho poró é muito melhor que pimentão. E pimenta...bom...vamos esquecer a pimenta. Quem precisa dela, certo?

Disse isso piscando para Hilino. O garoto sorriu timidamente. Seu primeiro sorriso em dias...semanas...meses. Experimentou um dos biscoitos. Eram deliciosos. Mas ele também estava cansado da viagem e não via a hora de dar um cochilo.

- Então suba, meu querido. Eu o chamo quando o almoço estiver pronto. Hoje é sábado, não vou trabalhar. Você sabia que eu também sou professora? Que nem a sua mãe. Ela vai dar aulas na mesma escolinha que eu, a partir de segunda-feira. Que é a mesma onde você vai estudar. Falando nisso, suas aulas também começam na segunda, não?

- Sim, sim...acho que sim...

- Pois bem. Então é bom você aproveitar bastante o final de semana, porque segunda-feira acordará cedo! Agora suba, vá descansar.

Hilino subiu pensando no que sua tia havia lhe dito. Era a mesma expressão que vó Nica utilizava para mandá-lo ir dormir. “Amanhã você acorda cedo, meu filho. Tá na hora de dormir”. Ficou pensando nisso quando deitou-se em sua cama. Ela era macia e cheirava a maçã verde. “Amanhã você acorda cedo”...“acorda cedo...”
De repente, Hilino abriu os olhos assustado.

2 comentários:

Deise disse...

Olá, adorei seu blog, preciso acompanhar as aventuras
obrigada pela visita, bjs

Ggel disse...

"uma mulher gordinha e bonachona, de bochechas rosadas e cabelos pretos encaracolados"...pÔ, sou eu...vou pedir direitos autoriais...rs